Com a alta da inflação e 14,1 milhões de desempregados, o consumo de carne vermelha diminuirá em quase 14% neste ano, se comparado a 2019, antes da pandemia. Este é o menor nível registrado para consumo do alimento no Brasil em 26 anos, segundo a série histórica da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com início em 1996.
O preço elevado da carne bovina tem obrigado os brasileiros a procurar substitutos, mesmo que os alimentos sejam menos nutricionais, como pé, pescoço e miolos de galinha. Comerciantes também sentiram a alta na compra de miojos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a carne vermelha acumula alta de 30,7% em 12 meses.
Um dos motivos da alta é a desvalorização do real, que perdeu 26,3% de seu valor frente ao dólar desde o início do ano passado. De um lado, isso tornou as exportações mais atrativas; de outro, elevou os custos do produtor.
É muito mais vantajoso para os produtores venderem para o mercado externo, por causa do dólar, que se mantém em alta, cotado hoje a R$ 5,28.
Segundo nutricionistas, a substituição por alimentos menos ricos em nutrientes tem consequências como aquisição de doenças virais ou crônicas não transmissíveis, como diabetes, cardiopatias e câncer.
Até o final do ano passado, 116,8 milhões de brasileiros viviam em situação de insegurança alimentar e 19 milhões passavam fome, segundo uma pesquisa de rede PENSSAN.
Outro dado recente é de uma pesquisa do Datafolha, que aponta que 85% dos entrevistados diminuíram o consumo de algum alimento em 2021. Destes, 67% reduziram a carne vermelha. Outros 35% citaram o arroz e feijão, base da alimentação do brasileiro.
Segundo comerciantes, a procura por ossos de boi começou a aumentar. Em Florianópolis, um dono de açougue colocou uma placa no estabelecimento: “Osso é vendido e não dado”. Uma foto do aviso viralizou na internet. A capa que o Jornal EXTRA estampou com a imagem de um caminhão, com ossos e restos de carne que são distribuídos às pessoas necessitadas, também ganhou repercussão nacional e até internacional.
Enquanto brasileiros sofrem com a alta da inflação e do dólar, sendo privados de comer um dos itens essenciais da dieta de um ser humano, o ministro “técnico” da Economia, Paulo Guedes, lucra.
O “Posto Ipiranga” de Bolsonaro pode ter lucrado R$ 14 milhões com a valorização do dólar apenas durante o seu mandato a frente da pasta. Isso porque a offshore que ele mantém nas Ilhas Virgens Britânicas, a Dreadnought International, revelada na última semana pelo Pandora Papers, tinha US$ 37 milhões quando ele assumiu o ministério. Agora, com a alta cotação da moeda norte-americana, esse montante subiu para R$ 51,3 milhões.
Para quem tem investimentos no exterior, o dólar mais caro tem um efeito positivo, já que faz crescer o equivalente em reais das aplicações.
No início da pandemia, Paulo Guedes afirmou que se fizesse “muita besteira” à frente do Ministério da Economia, o dólar poderia passar dos R$ 5 no futuro próximo. Um ano e meio se passou, e a cotação nesta quinta-feira (7) era de R$ 5,51.
O superministro de Jair Bolsonaro havia festejado a tendência de alta da moeda americana. Com o câmbio dos governos anteriores a R$ 1,80, “todo mundo ia para a Disneylândia”. Até a empregada. “Uma festa danada”, classificou o ministro, antes de desenhar um roteiro de passeios turísticos domésticos pelo país.
Antes disso, em novembro de 2019, Guedes afirmou, em visita a Washington, que os brasileiros deveriam “se acostumar” com o câmbio mais alto, que seria um reflexo da nova política econômica, com juro de equilíbrio mais baixo. “O dólar está alto? Problema nenhum, zero”, disse, na ocasião.
Mais recentemente, em junho, já com o dólar consistentemente acima de R$ 5, o ministro repetiu, em fala na Fiesp, que ele e sua equipe queriam o “juros mais baixos e câmbio de equilíbrio um pouco mais alto”.
O dólar,ficou quase 40% mais caro desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Paulo Guedes tentava convencer os brasileiros de que dólar alto era “bom para todo mundo”.
Como as decisões e declarações do ministro têm impacto direto sobre o mercado de câmbio, muitos especialistas enxergam um conflito de interesses direto entre o cargo público exercido por Paulo Guedes e seu papel como investidor.
O PSB apresentou uma ação de improbidade contra Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no Ministério Público Federal. Em parceria com outros partidos de oposição, o pedido de investigação foi apresentado após revelação de offshores que Guedes e Campos Neto possuem em paraísos fiscais.
O partido também protocolou um pedido de convocação para que Guedes e Campos Neto prestem esclarecimentos ao plenário da Câmara dos Deputados sobre as denúncias.
“É ilegal de que funcionários públicos de alto escalão, com acesso a informações privilegiadas, mantenham offshores em paraíso fiscal”, afirma o líder da Oposição, deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ).
“A legislação brasileira proíbe que membros da cúpula do governo mantenham esse tipo de negócio”, declara o líder da Minoria, deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ).
As offshores não são ilegais no Brasil, desde que os recursos sejam declarados à Receita. A diferença, neste caso, é o fato de que Guedes é servidor público. O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe, em seu Artigo 5º, que funcionários do alto escalão mantenham aplicações financeiras passíveis de serem afetadas por políticas governamentais, no Brasil e lá fora.
Os documentos que revelam que o ministro da Economia é dono de uma offshore milionária são parte de um megavazamento de informações que expôs figuras públicas de diversos países, batizado de Pandora Papers.
As reportagens foram feitas no âmbito do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), do qual fazem parte, no Brasil, a revista Piauí, os portais Metrópoles e Poder 360 e a Agência Pública.
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