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Democracia, presente!

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Por Bruno Carvalho


Na obra Protágoras, diálogo escrito por Platão, é narrado como Zeus, para que a raça humana não fosse extinta, enviou Hermes para dar de presente e distribuir, igualmente entre os seres humanos, a política e que assim houvesse ordem e amizades entre eles. Os gregos antigos acreditavam na relação entre felicidade, cura da alma e política. Hoje, talvez, seja uma utopia qualquer tipo de relação entre política e felicidade; política e ética ou política e a cura da alma. Até porque nos deparamos com constantes ameaças à democracia, à liberdade de ser, às soberanias nacionais, à qualquer forma humana de entender a vida. Até porque, de algum modo, fomos levados a crer que da política se advém o medo, a insegurança, a dominação e o poder. E hoje o poder é o conceito moderno da própria política. E é na busca do poder que se quebra a democracia, o direito e as próprias convicções.


Há dois anos presenciamos uma das páginas mais trágicas de nossa história recente. Lembrar a tentativa golpista não é demagogia, mas antes o intento de que a barbárie não seja banalizada, mesmo sabendo que não-esquecer jamais será garantia para que algo não seja repetido. Ora, na Alemanha pós-guerra, em 1949, há quem elegia o esquecimento como a faculdade mais nobre do ser humano e a esse despeito escrevia que apenas “a anistia ou a força do esquecimento” seria capaz de trazer a ordem. O que se esconde atrás do pedido de anistia não é a paz; mas sim, a possibilidade de tentar outra vez. Hoje, para o Brasil, a anistia aos golpistas e, com isso, a falsa pretensão do restabelecimento do “normal” assinalará que ninguém mais poderá ser punido por estar do lado errado. Seria o fracasso de nossas instituições e o fortalecimento do fascismo à brasileira. Aliás, no passado germânico os movimentos fascistas foram a ferida viva da democracia que ainda não fazia jus ao seu próprio conceito; no presente brasileiro, o mesmo não pode ser jamais tolerado e o governo do povo, fortalecido.


Em uma semana agitada, fomos pegos, talvez de surpresa, pela declaração do americano dono da Meta de que a checagem de fatos do grupo chegou ao fim. Além de uma clara ameaça às soberanias de vários países, de acusações de corte secreta, esta big tech passou a permitir que pessoas LGBTQIAPN+ sejam associadas a doentes mentais pelos seus usuários. Tudo isso em nome da “liberdade de expressão”. É preciso frisar que o termo empregado como “doente mental ou doenças mentais” não é mais utilizado desde 2004! Vale a pena lembrar, também, que desde 1973 a homossexulidade já não era considerada uma “doença mental" e que em 1990 a Organização Mundial da Saúde retirou o termo da Classificação Internacional de Doenças.


A “liberdade de expressão” neoliberal é hipócrita! Vale, se é que vale, à economia, mas não cabe no social, é livre para dizer, mas não é responsável pelo que diz. Não há um lado bom neste tipo de liberdade que é ideológico e, portanto, mascara o real. Mas, porque ela se propaga tanto entre os reacionários? Em nome da mesma solução que se pretende a anistia: a ordem.


A “liberdade de expressão” é encarada como uma forma anti-sistêmica para a reafirmação da ordem. Ordenar o caos moral que eles mesmos instauram e no qual eles mesmos se colocam como a solução. O feitiche do fim do mundo, apocalíptico, o evangelho da desgraça que pregam, tem como primeiro passo a desumanização, depois a aniquilação do que não é humano, desta forma absolve o indivíduo dos seus próprios pecados, dá escusas a seus próprios deveres; livra-o dos laços humanos! 


A que serve os homossexuais serem associados a algum tipo de transtorno, doença ou déficit? O que tais referências representam num universo capitalista, numa sociedade do descarte? Primeiro, desumaniza, depois, joga fora. 


Talvez você se pergunte qual é o nexo das coisas ditas até aqui. Poderia dizer o mais simples: que aqueles que tentaram o golpe são os mesmos hipócritas da “liberdade de expressão”, mas quero chamar atenção, a partir da fracassada tentativa do 8 de janeiro e de tudo que foi dito, a outro fator, nas palavras do filósofo Adorno: “não se deve subestimar esses movimentos devido a seu baixo nível intelectual e devido a sua ausência de teoria; creio que seria uma falta total de senso político se acreditássemos, por causa disso, que eles são malsucedidos”. Dito isto, é um erro atribuir à extrema-direita brasileira que seus discursos e seus atos sejam uma mera patologia moral ou uma loucura ou uma falta cognitiva, afirmar isso é ignorar a conjuntura social da qual emerge, é inocentar os crimes que pratica, é atribuir o problema a uma espécie de anomalia - em nenhuma dessas alternativas haverá responsabilizados.


Por fim, ressalto que o presente texto não pretende ser alarmista, porém, parece-me que, aos poucos, estamos recaindo na barbárie. Se se recorda do início do texto, talvez pense que, de fato, a política seja mais um “presente de grego” do que um “presente dos deuses”. 


Sem anistia para golpista!


Bruno Carvalho.



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