
Por Mariane Del Rei, Socialismo Criativo
No ano da pandemia, o faturamento das 120 maiores empresas varejistas do país cresceu 20%, de R$ 526 bilhões para R$ 632 bilhões. Mas o movimento não foi uniforme. Enquanto nas dez maiores companhias o faturamento cresceu quase 30%, nas dez menores houve uma queda de 22%. O resultado desse desempenho foi uma maior concentração no mercado, segundo dados do ranking do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar) – Fundação Instituto de Administração (FIA), obtido pelo jornal O Estado de São Paulo.
As vendas das 120 empresas representaram 13,6% do consumo das famílias brasileiras no ano passado. No período anterior foi de 11,6%. Segundo a pesquisa, as dez maiores empresas do varejo (Carrefour, GPA, Magalu, Via, Americanas, Big, Raia Drogasil, Natura, Boticário e Mateus Supermercado) faturaram no ano passado R$ 317 bilhões, a metade do registrado pelo conjunto das 120 companhias. O valor é 48 vezes maior que o faturamento das dez menores desse ranking, de R$ 6,5 bilhões.
“Numa situação de crise, os elos mais fracos sempre sofrem mais. E a pesquisa de 2020 mostrou isso de forma muito clara”, afirmou o presidente do Ibevar, Cláudio Felisoni de Ângelo, responsável pelo trabalho, publicado anualmente. Na avaliação de Ângelo, o processo de consolidação intensificado no ano passado vai continuar forte em 2021, ainda como efeito da pandemia.
Concentração maior no varejo
Embora não seja o setor mais concentrado do varejo, o segmento de supermercados teve o maior avanço no ano passado. A participação dos cinco maiores empresas subiu de 54,5% para 58,3%. O de material de construção avançou de 83,9% para 86,5% e o de eletroeletrônico e móveis, de 86% para 88,4%. No caso de drogarias e perfumarias, a participação dos cinco maiores grupos passou de 77,7% para 79,2%.
O sócio-diretor da Gouvêa Consulting, Jean Paul Rebetez, destacou que a maior concentração no varejo verificada no ano passado não é um fenômeno apenas brasileiro, mas mundial. “Esse já era um movimento que vinha ocorrendo, mas foi acelerado pela pandemia.” A explicação está no maior acesso das grandes empresas a recursos financeiros num custo menor, maior inteligência em suas estruturas e mais tecnologia, além de recursos humanos de qualidade.
Outro elemento foi a transformação digital, que colocou as empresas mais próximas do consumidor. A partir da visão e necessidade dos clientes, as companhias passaram a criar produtos mais adequados aos usuários e comprar empresas que tenham soluções inovadoras para seus negócios. Exemplo disso é que, no primeiro quadrimestre deste ano, o número de aquisições de startups por grandes grupos cresceu 120%, segundo a plataforma de inovação Distrito.
“Essa aproximação da empresa com o consumidor não está só no e-commerce. Tem a ver com a jornada do consumidor, desde o primeiro contato com a empresa até o pós-venda. Tudo isso agora está sendo rastreado e monitorado”. Jean Paul Rebetez
Na avaliação de Rebetez, aquelas empresas mais bem estruturadas financeiramente ficaram mais relevantes para continuar a ganhar tração.
Para o executivo, quem não estiver nesse caminho, que envolve maior digitalização e maior aproximação com os consumidores, poderá ter problemas daqui para frente.
“O mundo está polarizado. Ou você lidera ou será liderado. O mercado de varejo ainda tem muito para amadurecer e isso implicará maior concentração”. Jean Paul Rebetez
De acordo com o ranking Ibevar-FIA, o Carrefour repetiu no ano passado o resultado de 2019 como maior empresa de varejo do País, seguida pelo Grupo Pão de Açúcar. A novidade foi o Magazine Luiza que agora é a terceira maior do setor, desbancando a Via, dona das Casas Bahia. Outro que caiu no ranking foi o grupo Big, que em 2019 estava em quarto lugar e no ano passado caiu para sexto lugar, atrás de Lojas Americanas.
Varejo alimentar teve crescimento exponencial
Muitos players do varejo tradicional e e-commerce começaram a migrar para a venda de alimentos. A reportagem do InvestNews de março deste ano, consultou especialistas em varejo e negócios e trouxe visões sobre o futuro do varejo alimentar e suas perspectivas para o investidor.
Segundo Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail, 2020 evoluiu como o ano do varejo alimentar devido a três fatores:
Auxílio emergencial: o pagamento dos R$ 600 mensais aumentou o poder aquisitivo de alguns consumidores.
E-commerce: a pandemia acelerou o amadurecimento dos canais digitais no varejo alimentar.
Fechamento parcial ou total dos foodservice: antes da pandemia, os brasileiros consumiam cerca de 45% dos alimentos fora do lar. Com o isolamento social, bares e restaurantes perderam esta demanda, que migrou para supermercados, padarias e delivery.
Para 2021, Serrentino enxerga ainda um bom futuro para o varejo alimentar, em parte por causa do novo isolamento imposto em decorrência da nova onda de covid-19, que deve voltar a favorecer os supermercados e o segmento de autosserviço alimentar.
Porém, há algumas pressões no radar: a primeira é a inflação elevada. Segundo o último Boletim Focus, a inflação medida pelo IPCA teve sua projeção elevada para 4,81% até o final de 2021.
Com uma inflação em alta, a capacidade de consumo das famílias brasileiras é impactada diretamente, somada à pressão do desemprego e menos renda. O auxílio emergencial, por exemplo, deve contemplar parcelas menores de até R$ 250.
Em consequência, Serrentino avalia que estes dois fatores devem reduzir o crescimento do varejo alimentar, se comparado com 2020. “Não será um crescimento exponencial, mas o setor continua resiliente por que atende uma necessidade primária”, aponta.
Tendências de consumo
Além de desafios macroeconômicos, existem também tendências no varejo alimentar que surgiram em 2020 e, segundo os especialistas consultados pela reportagem, estão transformando o setor.
De olho nos produtos, o especialista em inovação e negócios Arthur Igreja, citou entre elas o fortalecimento da categoria e-grocery (venda de alimentos, bebidas, itens de uso doméstico pela internet). Ele aponta que a venda de frutas e verduras pode representar 30% ou 40% das entregas.
A segunda tendência, segundo Igreja, seriam mudanças no mix de produtos, as pessoas começam a comprar itens que antes eram consumidos no trabalho ou fora do lar, é o caso do café.
Ainda neste tipo de produto, surge a venda direto do fabricante, pulando o varejo tradicional. “Tem planos de assinatura para cápsulas de café direto do fabricante e que não chegam no atacado ou varejo”, afirmou.
Serrentino também enxerga um crescimento dos nichos, segmentando produtos premium dentro do varejo. “Boutiques de carne, pães especializados, e hortifrútis, podem se beneficiar”, disse.
Olhando para o formato de compra, surgem também novos movimentos. Segundo os especialistas, o atacarejo (comércio que reúne atacado e varejo) se fortalece, pela procura por descontos maiores em decorrência da diminuição de renda do brasileiro e a frequência da compra, enquanto o hipermercado passa a ser o segmento mais pressionado.
Há também um salto na venda digital, seja por aplicativo, sistema clique e retire e delivery. Além destas, Igreja cita também o autoatendimento, lojas que não tenham atendentes e ofereçam novas formas de pagamento, monitorando o consumidor por câmeras para entender melhor o seu comportamento, ou inserindo realidade aumentada nos produtos.
O Carrefour foi o primeiro a entrar no jogo, anunciando recentemente as primeiras lojas autônomas no Brasil. Os clientes vão fazer as compras por meio do app meu Carrefour e, para sair da loja, basta efetuar o pagamento via QR Code
Líder do setor no varejo alimentar
De acordo com os especialistas, o Carrefour (CRFB3) é até o momento, o líder isolado no varejo alimentar, posição que se fortaleceu com a compra do Grupo Big, dando lugar a um grupo com faturamento de R$ 100 bilhões, 137 mil funcionários e 876 lojas.
Segundo Serrentino, o Carrefour já era líder do varejo alimentar, principalmente após a cisão do Grupo Pão de Açúcar do Assai. Mas com a aquisição do Big, ganhou força no atacado, ao incorporar as lojas Maxxi que devem se tornar Atacadão.
Contudo, o principal ganho deve ocorrer na operação de atacarejo. “O Carrefour deve equilibrar seu crescimento com outros segmentos do varejo, ganhando dominância no Nordeste, Sul e capilaridade a nível nacional”, defende ele.
Além da presença territorial, Igreja destacou como beneficios da aquisição, a ampliação do portfólio de produtos e o fortalecimento da estratégia de produtos financeiros. Com mais escala, o Carrefour terá um poder de barganha melhor para negociar com os fornecedores, com preços mais atrativos. Além de que, um tamanho maior para o grupo pode favorecer na coleta de dados do consumidor para melhorar as experiências de compra.
Recentemente, o Carrefour anunciou que estas aquisições auxiliariam para devolver o poder aquisitivo dos brasileiros, com os menores preços do mercado.
Serrentino avalia que é pouco provável que uma aquisição mude a competitividade do preço do Carrefour. Contudo, o ganho estaria nas operações mais eficientes, que podem reduzir despesas do grupo e em consequência tornar os preços mais agressivos. “Não é apenas por causa da aquisição”, esclarece.
Com sólida liderança, Igreja ressaltou que o desafio do Carrefour agora é limpar a sua imagem e superar os traumas recentes, entre estes os escândalos em que a companhia se viu envolvido nos últimos meses.
A guerra pelo 2º lugar
Quem ocupa a 2ª posição no varejo alimentar até o momento é o Pão de Açúcar (PCAR3), que agora enfrenta alguns desafios para superar o seu rival do Carrefour. Após a cisão com Assaí, o Grupo Pão de Açúcar permaneceu com um negócio lucrativo e bem posicionado que é a bandeira Pão de Açúcar, dominante no estado de São Paulo. Contudo, segundo Serrentino, ele tem a missão de fortalecer e revitalizar também a marca Extra, encontrando avenidas de crescimento na pandemia.
O segundo desafio do grupo seria investir em negócios especializados com potencial de crescimento, como no caso das iniciativas Cheftime (que oferece de marmitas até pizzas) e adegas.
E o terceiro e, provavelmente, o mais importante, é a estratégia digital do grupo. O Pão de Açúcar conta com o serviço de entregas da James Delivery, mas Arthur Igreja avalia que, após a aquisição do Big pelo Carrefour, o mercado está esperando uma resposta mais agressiva do GPA, que inclua aquisições de empresas de tecnologia ou lojas autônomas. “O desafio do grupo para recuperar a liderança é ganhar presença nacional e ser visto como uma loja mais moderna”, afirmou.
Fora do que é conhecido como varejo alimentar tradicional, três novos players migraram para o mercado à procura de um espaço na mente dos consumidores. São estes: Magazine Luiza, B2W e Mercado Livre.
Para os especialistas, a presença de companhias com plataformas digitais fortes no varejo alimentar deve ser um movimento comum no Brasil nos próximos anos, da mesma forma como a Amazon fez nos Estados Unidos. “O varejo alimentar é um setor de forte recorrência dos consumidores e nada gera mais venda do que alimentos”, explica Serrentino.
Porém, para ele, quem tem uma forte vantagem nesta briga de gigantes é a B2W, que com possível integração com as Lojas Americanas deve herdar um leque amplio de novas lojas, com categorias diversas nas quais já está inserida também o varejo alimentar.
Em 2020, a B2W firmou também uma parceria com a BR Distribuidora para integrar 1,3 mil lojas de conveniência no marketplace aumentando assim a capilaridade do grupo.
Magalu tem maior potencial de crescimento
Já Arthur Igreja enxerga o Magazine Luiza como a empresa com maior potencial de crescimento nesta disputa acirrada, por se tratar da 24ª maior varejista do mundo, com presença de marcas fortes como Adidas, no seu aplicativo. “Eles estão fortalecendo a tecnologia e o aplicativo Magalu já caiu no gosto das pessoas”, defende.
Recentemente, a companhia deu um passo à frente no varejo alimentar com a aquisição da plataforma VipCommerce Sistemas no começo de março. A plataforma de e-commerce permite que supermercados e atacarejos vendam de forma on-line. E conta com uma rede de 400 lojas e 100 supermercados presente em 18 estados brasileiros.
Segundo o especialista, o desafio será se consolidar na cabeça do consumidor como varejo alimentar. “As pessoas ainda associam Magazine e B2W como eletrodomésticos, Black Friday mas não como supermercado”. No dia da aquisição do Grupo Big pelo Carrefour, as ações da Magazine Luiza despencaram 5,3%, repercutindo o fortalecimento do concorrente.
Além de consolidar sua marca na mente do consumidor, os especialistas destacam que estas companhias precisarão entender o mercado e encontrar formas de inovar. “Liderança pode ser uma consequência desse crescimento, mas não deve ser a obsessão de todos”, reforça Serrentino.
Para tirar o Carrefour da liderança, as companhias podem precisar fazer novas aquisições, ou melhorar a sua capacidade de entrega e logística, com um consumidor na expectativa de receber seus produtos em menos de 2h. Um exemplo disso é a nova iniciativa da B2W que vai colocar nas ruas uma frota de 90 tuc-tucs elétricos para entregar os produtos vendidos na plataforma online e deve beneficiar também o varejo alimentar.
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo e Invest News
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