O garimpo – extração de minérios predatória e ilegal, geralmente relacionada ao ouro e não à indústria – continua a avançar. Levantamento do Mapbiomas mostra que a atividade ilegal avançou 495% dentro de terras indígenas nos últimos dez anos. As unidades de conservação ambiental também sofreram aumento da exploração ilegal de 301% no mesmo período.
É a primeira vez que a extensão da área ocupada pela mineração nas últimas décadas é mostrada em um estudo que cruzou diversas fontes disponíveis, conforme divulgado pelo Observatório da Mineração.
Nada disso acontece por acaso. O boom do preço das commodities, que aconteceu na primeira década dos anos 2000 e se repete agora, com o minério de ferro, o cobre e o ouro alcançando preços históricos no mercado, explica parte da situação.
O convite aberto e permanente para a exploração industrial de larga escala por multinacionais feito por todos os governos federais, estaduais e municipais também entra no pacote. Os incentivos fiscais são inúmeros, as facilidades no licenciamento – nos ritos “legais” ou nem tanto – idem.
Muitas vezes, são as próprias mineradoras que ditam as regras do licenciamento e quais normas irão se submeter, afirma o repórter Maurício Angelo, que assina a matéria.
O estudo do Mapbiomas separa a mineração industrial do garimpo, que hoje é sobretudo feito com máquinas pesadas caríssimas e logística intensiva mantida por grandes empresários. Quem tem pagado esse preço são os indígenas.
Líderes da destruição
Sem surpresas, Itaituba e Jacareacanga, no Pará, lideram a área de garimpo no Brasil com larga margem, com 44 mil e 9 mil hectares, respectivamente. É onde os conflitos com o povo Munduruku tem se intensificado a ponto de ser pedida uma intervenção federal.
1592 hectares da TI Munduruku já foi afetada pelo garimpo. E outra TI no Pará lidera o ranking: os Kayapó, com 7602 hectares. É lá que uma cooperativa foi criada pelo madeireiro João Gesse e pelo ex-deputado e cantor Sérgio Reis, com o apoio de Jair Bolsonaro e a cooptação de indígenas.
Pará, Mato Grosso e Rondônia lideram o ranking de estados com mais área de garimpo. O incremento nacional na garimpagem é 10 vezes maior que a área de 1985.
Indígenas criam Aliança contra o Garimpo
Líderes indígenas Kayapó, Yanomami, Xicrin e Munduruku, presentes no Acampamento Luta pela Vida que acontece em Brasília, criaram a Aliança contra o Garimpo na última sexta.
“Nós não trocamos ouro pela vida dos nossos filhos e netos. O garimpo destrói nossa cultura, nossas florestas, envenena nossos rios, cria conflitos entre nossos parentes e acaba com nossos locais sagrados. Exigimos que o governo cumpra a ordem do STF e retire os invasores dos nossos territórios. O governo fala que somos pobres, mas somos ricos. Nossa riqueza está nas florestas e rios, que nos dão tudo” Aliança contra o Garimpo
“O governo tenta nos dividir, mas é apenas uma minoria entre os indígenas que apoia essas atividades, sem saber que estão ajudando a destruir seu próprio povo. A maioria dos indígenas é contra o garimpo, pois sabe dos problemas que ele traz. Enquanto isso, os empresários brancos enriquecem. (…) Estamos aqui numa aliança contra o garimpo, contra o PL 191/2020, o PL 490/2007 e contra todos esses projetos de morte que o governo defende para roubar nossas terras”, finalizam.
Amazônia concentra 72% da área minerada
Três de cada quatro hectares minerados, considerando a mineração Industrial e garimpo no Brasil, estavam na Amazônia em 2020, ou 72,5% de toda a área minerada.
Os estados com as maiores áreas mineradas são Pará (110.209 ha), Minas Gerais (33.432 ha) e Mato Grosso (25.495 ha).
40% das áreas de garimpo estão dentro de Unidades de Conservação, incluindo Florestas Nacionais. O lobby para a permissão e legalização dessa atividade vai até o Ministério de Minas e Energia, que quer revogar um parecer da AGU e abrir 17 milhões de hectares para mineração.
Para o professor Pedro Walfir, da Universidade Federal do Pará (UFPR), a tendência é de expansão, já que a transição para a tal “economia verde” e para carros elétricos, por exemplo, depende da extração de níquel, cobre, cobalto, nióbio e outros.
“Nosso país precisa de uma governança socioambiental para a mineração sustentável e que respeite a legalidade. Estamos preocupados com o que vai acontecer no país nos próximos 10, 20 anos” Pedro Walfir, UFPR
Considerando o péssimo histórico da mineração no Brasil, há muito com o que se preocupar. Para além de que essa tentativa de vender a mineração como algo “verde e sustentável”, já onipresente no discurso do mercado, é muito questionável e não encontra eco na realidade.
Ouro é 86% da área de garimpo
No caso do garimpo, o ouro lidera com folga, com 86% da área ocupada. Na mineração industrial, o minério de ferro e o alumínio dividem o posto com 25% cada um. Lembrando que os dados do Mapbiomas focam em área, o que nem sempre se reflete na produção. O minério de ferro, por exemplo, é muito mais relevante do ponto de vista produtivo.
Rastrear a cadeia do ouro e ter o mínimo de controle sobre essa logística que está repleta de fraudes e de organizações criminosas internacionais é tarefa urgente.
Para Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, que tem realizado diversos estudos sobre o ouro e mostrou recentemente que 19 toneladas do que foi exportado “legalmente” na verdade não tem rastro definido de origem – sem contar o garimpo – os números do Mapbiomas são alarmantes.
“Precisamos de uma vez por todas romper com a ideia de que o garimpo tem uma licença social para operar. Não tem mais”, diz Rodrigues.
Para a especialista do Escolhas, o símbolo do garimpo não é mais um indivíduo pobre tentando recuperar um minério, é a indústria mecanizada que tem deixado um rastro de destruição. “Essa organização industrial vem com grandes empresários que orquestram essa indústria. A diferença é que o garimpo não quer se responsabilizar pelos danos que tem deixado. Explora as pessoas, polui os rios, destrói as florestas, prejudica o país”, afirma.
De fato, outro estudo do Escolhas mostrou que a exploração de ouro e diamantes na Amazônia não traz desenvolvimento à região, ao contrário dos argumentos que as mineradoras e donos de garimpo costumam usar.
“As pessoas continuam pobres, doentes e sem educação. Alguns ganham muito com a mineração e o resto da população continua muito vulnerável” Larissa Rodrigues, Instituto Escolha
Garimpo, mineração e a Autorreforma do PSB
Em sua Autorreforma, os socialistas do PSB defendem a transição para uma economia verde e criativa. Ainda que nos limites do capitalismo, a transição deve ser induzida pelo Estado como parte de uma política econômica.
“E que seja revertida a trajetória do país como espaço para a expansão predatória da fronteira agrícola e o estímulo ao garimpo ilegal de recursos naturais, no contexto do atual modelo exportador de commodities”, defendem os socialistas.
O que torna parte do processo garantir e aperfeiçoar os requisitos de licenciamento ambiental.
“Como forma de eliminar a ação da grilagem, do garimpo ilegal e da substituição da mata por atividades pecuárias, que têm resultado em intenso desmatamento das florestas brasileiras, notadamente na Região Amazônica”, propõem os socialistas na Autorreforma.
Além disso, observam a importância da mineração para a economia do país. Contudo, os dividendos não beneficiam a população.
“A mineração brasileira, dada a sua importância econômica e social, sempre foi tratada como uma “atividade de interesse público” e, por isso, condicionada a impositivos legais que incluem todo o ordenamento jurídico sobre a matéria. Apesar de o Brasil possuir tantos recursos e riquezas minerais, o processo de transformação e produção fica nas mãos de grandes empresas multinacionais. Consequentemente, a maior parte dos lucros não permanece no país e não beneficia a população brasileira”, criticam.
Por isso, o PSB defende a necessidade de exploração do potencial minerário conhecido, junto com investimentos em pesquisas, para identificar, quantificar e qualificar os minérios e as minas existentes e desconhecidas.
Esse enorme potencial precisa ser articulado no âmbito de um Projeto Nacional de Desenvolvimento, para assegurar a emancipação do Brasil em termos de exploração sustentável, afirmam em sua Autorreforma.
“O PSB propõe o emprego de legislação que organize a produção mineral, de forma que as áreas indígenas e quilombolas sejam totalmente respeitadas. Com relação à mineração e aos impactos da atividade nos patrimônios histórico, cultural, paisagístico e turístico, é necessário equacionar o conflito de uso do espaço entre as atividades econômicas e os interesses difusos da sociedade, e cabe ao Estado arbitrar em razão de valores tangíveis e intangíveis” Autorreforma do PSB
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